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Proibida a vaquejada no Brasil

Só uma nova Assembleia Nacional Constituinte poderá admitir a vaquejada no Brasil

Por Carlos Eduardo Rios do Amaral

Logo de início cumpre dizer que é velha e insuperável lição de Direito que a Constituição Federal é a lei das leis. Nenhuma outra norma legal goza de sua envergadura e força normativa no mundo jurídico. A colisão de qualquer dispositivo legal com a Constituição importa na sua automática não-recepção ou declaração de inconstitucionalidade.

Para tutela e vigilância da imperatividade da Constituição seu próprio texto normativo nomeia o Supremo Tribunal Federal como o seu guardião maior. Importando dizer que a autoridade das decisões do Supremo é decorrência da própria primazia da Constituição.

Deste modo, a Constituição é o que o STF diz que ela é. É o STF, como dito, seu último e mais elevado intérprete. Suas decisões são dotadas de efeito vinculante a todos os demais Órgãos do Poder Judiciário.

Pois bem. Fixada essa premissa maior, verifica-se que a Constituição Federal de 1988 dedica capítulo inteiro ao meio-ambiente. Tendo em vista o trato das questões ambientais presentes em seu texto, permeando toda a Constituição, para muitos este documento denominado de “Constituição Cidadã” pode muito bem ser chamado de “Constituição Ambiental” ou “Constituição Verde”.

E como não poderia deixar de ser, o STF vem reiteradamente debruçando-se sobre questões ambientais sediadas na Constituição.

Recentemente, aos 06 de Outubro do corrente Ano (2016), o STF considerou materialmente inconstitucional lei do Ceará que regulamentava os espetáculos de vaquejada neste Estado.

A Ação Declaratória de Inconstitucionalidade nº 4983 foi proposta pela Procuradoria-Geral da República, cabendo sua relatoria ao Ministro Marco Aurélio Mendes de Farias Mello.

Para o Ministro-Relator a lei cearense que regulamentava a vaquejada como prática desportiva e cultural naquele Estado colide frontalmente com a atual Constituição.

Segundo o Ministro-Relator a vaquejada não pode ser considerada prática desportiva, nem atividade cultural, à luz das disposições da Constituição.

Assentou o STF durante o julgamento da ADI 4983 que toda a prática desportiva e cultural encontra limites intransponíveis na Constituição vigente.

Em minucioso voto, o Ministro Marco Aurélio consignou que a vaquejada ocasiona nos animais fraturas nas patas e rabo, ruptura de ligamentos e vasos sanguíneos, arrancamento do rabo e comprometimento da medula óssea. Também os cavalos, de acordo com os laudos juntados à Ação, sofrem lesões.

Importante dizer que a decisão do STF na ADI 4983 não se baseou na ausência ou vácuo normativo constitucional a autorizar a prática da vaquejada no território brasileiro. Também não operou-se uma ponderação de valores entre atividade cultural, prática desportiva e tutela animal.

Nada disso. O STF foi claro e conclusivo ao dizer que a vaquejada causa sofrimento aos animais.

Disse o STF que a prática da vaquejada colide substancialmente com a Constituição Federal de 1988. Para o STF a vaquejada consiste em caso de prática de maus-tratos aos animais. Ponto final.

Entrementes, já é prática de nosso Poder Legislativo sempre após o julgamento de procedência de determinada ADI que logo se apresente Proposta de Emenda Constitucional na tentativa de se contornar ou superar a coisa julgada operada no julgamento em sede de controle concentrado levado a efeito pelo STF.

No caso da vedação da prática da vaquejada, a coisa não foi diferente. Sem tardar, já há acalorados debates no Congresso Nacional versando sobre o tema vaquejada.

Acontece que qualquer Proposta de Emenda Constitucional sobre o tema vaquejada é estéril, em suma, proposta natimorta.

Insista-se, não disse o STF que a vaquejada seria inconstitucional pela incapacidade legiferante do Estado Ceará ou em razão de falta de previsão de norma constitucional permissiva, ou mesmo sob qualquer outra mera inconstitucionalidade formal.

O que o STF disse foi que a Constituição Federal não tolera minimamente a prática da vaquejada. Não há outra razão de decidir concorrente, apenas a abominação da Constituição à tolerância aos maus-tratos aos animais.

Vaquejada no Brasil só com outra Constituição Federal.

Legislador constituinte derivado não se confunde com Assembléia Nacional Constituinte. Só esta última detém poderes soberanos.

Quando do julgamento da ADI 4983, bem ou mal, o STF atendeu aos anseios do legislador constituinte originário.

Qualquer PEC versando sobre vaquejada no Brasil, se promulgada, deverá ser atingida diretamente pela sua inconstitucionalidade material.

Ao desacostumado às letras jurídicas e à ciência do Direito registre-se que não apenas as normas infraconstitucionais (leis complementares e leis ordinárias) podem ser alvo de ADI’s. As próprias PEC’s também podem ser fulminadas pela declaração de inconstitucionalidade.

Desse modo, PEC sobre vaquejada, Emenda à Constituição sobre vaquejada, em doutrina constitucional, consiste em atentado à soberania da Constituição Federal de 1988. Além de afrontar a autoridade da decisão do STF proferida na ADI 4983.

Assim como não pode haver PEC consentindo o racismo, permitindo a violação do domicílio ou diminuindo a condição da mulher, não poderá haver PEC admitindo a vaquejada em território brasileiro.

Infrutífero, assim, o debate instalado no Congresso Nacional para tentar tolerar a vaquejada no Brasil via PEC.

O único caminho jurídico para a prática da vaquejada no Brasil é a instalação de nova Assembléia Nacional Constituinte, elaborando-se nova Constituição Federal permitindo, tolerando ou silenciando-se a respeito da prática de maus-tratos aos animais no País.

Vigente a Constituição Federal de 1988, que protege a fauna e a flora, vedando toda e qualquer crueldade contra os animais, operada a coisa julgada em sede de controle concentrado na ADI 4983, é inadmissível a prática da vaquejada no Brasil sob o império da atual ordem constitucional.

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Carlos Eduardo Rios do Amaral é Defensor Público do Estado do Espírito Santo

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